Os políticos já
perceberam que é melhor para eles gastar dinheiro com bibliotecas, em vez de
museus e galerias de arte
Adoradores das bibliotecas, entre os quais eu me incluo, não precisam
estar muito cheios de tristeza e melancolia. Enquanto cortes e fechamentos
estão afetando os serviços das bibliotecas, também é verdade que a última
década assistiu a uma reinvenção da biblioteca pública no Reino Unido e em todo
o mundo. A Biblioteca de Birmingham reabriu a um custo de 186 milhões de
libras, tornando-se a maior biblioteca pública na Europa. Ela espera atrair 10
mil visitantes por dia. A magnífica biblioteca Mitchell de Glasgow, que
anteriormente detinha o recorde como a maior biblioteca de referência pública
na Europa, foi recentemente remodelada para um enorme efeito. Desde 2000, novos
edifícios de bibliotecas abriram em Bournemouth, Brighton, Canada Water,
Cardiff, Clapham, Dagenham, Glasgow, Liverpool, Newcastle, Norwich, Peckham,
Whitechapel e em outros lugares, todas registando números altíssimos de usuários.
Por que as bibliotecas estão de volta à agenda urbana? Um número
crescente de pessoas está agora envolvido em alguma forma de educação
continuada ou ensino superior, e precisam de espaço de estudo e acesso à
internet, o que muitos não conseguem encontrar em casa. A ascensão de moradores
que vivem sozinhos nos centros urbanos – em algumas capitais europeias se
aproxima a 50 % dos domicílios – significa que as bibliotecas cada vez mais
atuam como um ponto de encontro ou uma casa fora de casa, como servem para
migrantes, refugiados e até mesmo turistas. A ideia da biblioteca como “a sala de estar da cidade”
foi promulgada pela primeira vez nos projetos de bibliotecas escandinavas da
década 1970, com os arquitetos respondendo aos desejos dos usuários para
permanecerem mais tempo no ambiente, tomar um café e desfrutar de sessões de
contação de histórias, concertos à hora do almoço ou participar de leituras de
livros em grupos. Visitando a biblioteca Örnsköldsvik no norte da Suécia, perto
do Círculo Polar Ártico, notei que os usuários trouxeram seus chinelos e um
almoço embalado. Esta nova compreensão do espaço da biblioteca é formalizada,
por exemplo, na biblioteca Rem Koolhaas de Seattle, onde três dos cinco andares
são designados como Sala de Leitura, Sala de Estar e Câmara de Mistura.
O entusiasmo mundial revivido para bibliotecas – do qual Seattle é
talvez a mais ambiciosa – teve origem na América do Norte na década de 1990.
Tendo supervisionado o fracasso financeiro de museus e galerias icônicas –
construídos ostensivamente para colocar as cidades no mapa – os políticos
perceberam que recebiam mais atenção quando gastavam o dinheiro em uma
biblioteca estado-da-arte. Quando a biblioteca de Nashville foi inaugurada em
2001, inscrita em cima da porta estava a máxima: “Uma cidade com uma grande
biblioteca é uma grande cidade.” O historiador Shannon Mattern recentemente
dedicou um livro inteiro a representar a ascensão para a proeminência da nova
biblioteca urbana na vida cívica americana.
Na Europa, houve um desencanto semelhante com o “Efeito Bilbao”, em
homenagem ao sucesso singular do projeto de Frank Gehry para um museu e galeria
de arte na cidade. Por um tempo, muitos planejadores acreditavam que somente
edifícios de museu icônicos projetados por arquitetos-celebridade poderiam
resgatar cidades fracassadas do esquecimento. O amargo livro de Deyan Sudjic “O
Complexo de edifícios” discrimina a retórica exagerada e custos crescentes de
muitos desses projetos aspirantes ao redor do mundo, juntamente com a sua morte
precoce. Na Grã-Bretanha, a mais grandiosa delas, o Millennium Dome, absorveu
quase um bilhão de libras de dinheiro público – destinados a fornecer uma
vitrine permanente para a ciência e as artes – apenas para ser rapidamente
alugado como um local para eventos corporativos e pop. O Parque Olímpico e suas
instalações pode muito bem seguir o mesmo caminho.
É quase impossível para as bibliotecas públicas falhar desta maneira.
Elas são livres para usar, e, depois de um século e meio de experiência, se entremeou
no tecido da vida cotidiana. Em algumas cidades britânicas, quase metade da
população possui um cartão de biblioteca, mesmo que ele seja usado com pouca
frequência. Nós fazemos piadas sobre os bibliotecários tímidos escondidos atrás
das pilhas de livros ou na sala de estoque, mas as pessoas confiam neles como
confiam em poucos outros. Os bibliotecários podem agonizar sobre questões de
gosto, decência e da adequação dos materiais que estocam, em comparação com a
neutralidade moral do mercado comercial, mas nós os admiramos por isso. Mais
importante ainda, as bibliotecas são vistas como pertencentes a todos por
direito, comparadas à teatros com financiamento público, galerias de arte,
museus ou salas de concerto.
A adaptabilidade da biblioteca para responder às novas demandas se
reflete no design contemporâneo. O balcão de informações da biblioteca em
grande parte desapareceu. Máquinas de auto-atendimento liberam funcionários
para passar mais tempo com os usuários da biblioteca, organizar sessões de contação
de histórias, de autógrafos e círculos de leitura (havia mais de 100.000
membros de grupos de leitura em bibliotecas na Inglaterra e País de Gales na
última contagem). Foyers tendem a ser abertos com poltronas para leitura, e
serviços de empréstimo e de referência estão agora misturados. Nem todo mundo
usa a internet para pesquisar um ensaio de alto nível de Shakespeare ou
acompanhar os eventos na Síria. Outros estarão à procura de um emprego ou
verificando sites de namoro, ou podem ter caído no sono em uma réplica da
cadeira ovo brilhante de Arne Jacobsen sobre uma cópia do Jornal dos Sports. E
daí? Todos os tipos de pessoas descobrem um senso de santuário nas bibliotecas,
que não encontram em nenhum outro lugar da cidade. A biblioteca pública é o símbolo
supremo da “grande sociedade”.
“Os três documentos mais importantes que uma sociedade livre dá”, o
romancista americano EL Doctorow escreveu uma vez, “é uma certidão de
nascimento, passaporte e um cartão de biblioteca”. Os jovens estão muito em
evidência nas novas bibliotecas – uma mudança cultural inesperada e bem vinda –
sem dúvida, atraídos por uma arquitetura arejada brilhante que reflete a
cultura do design vivo que eles assimilam em suas vidas. Eles também parecem à
vontade em um lugar que os trata com um respeito não concedido em outros locais
na vida pública.
Nem todo mundo aprova o novo ethos da biblioteca, resumido como sendo
“da coleção para a conexão”. Alguns permanecem horrorizados com o avanço da
revolução tecnológica, que não só está a remodelar o mundo, mas reconfigurando
a biblioteca pública junto com ela. Se os pioneiros da biblioteca do século 19
reconheceriam estes edifícios do século 21 pode ser questionável – mas uma vez
lá dentro eles se sentem em casa. Ainda hoje, o mundo dentro da biblioteca
mudou menos do que o mundo lá fora.
Texto de Ken Worpole, publicado no The Guardian
Fonte: http://bsf.org.br/2014/01/07/biblioteca-publica-investimento-prefeito-cidade/
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