Prémio José Saramago atribuído ao
escritor angolano Ondjaki pela obra Os
Transparentes. O leitor confronta-se com uma crioulização radical da língua
portuguesa, diz o júri.
À oitava edição, o Prémio Literário José Saramago foi para Ondjaki, escritor e poeta que nasceu em Luanda em 1977, autor do romance Os Transparentes, publicado pela Caminho em 2012 e que é um retrato de Angola. O prémio foi esta terça-feira anunciado na sede da Fundação José Saramago, na Casa dos Bicos, em Lisboa. Numa cerimónia em que a poeta angolana Ana Paula Tavares, e um dos membros do júri, fez o elogio do autor e da obra distinguida por unanimidade. "Este prémio não é meu, este prémio é de Angola."
Foi
assim que Ondjaki agradeceu o prémio, no valor de 25 mil euros. "Eu não
ando sozinho, faço-me acompanhar dos materiais que me passaram os mais velhos.
Na palavra 'cantil' guardo a utopia, para que durante a vida eu possa não
morrer de sede."
"Este é um livro sobre uma Angola que existe dentro
de uma Luanda que eu procurei escrever e descrever. Fi-lo com o que tinha
dentro de mim entre verdade, sentimento, imaginação. E amor. É uma leitura de
carinho e de preocupação. É um abraço aos que não se acomodam mas antes se
incomodam. É uma celebração da nossa festa interior, trazendo as makas, os
mujimbos, algumas dores, alguns amores. Penso que todos queremos uma Angola
melhor", disse o escritor no seu discurso de agradecimento.
Instituído
pela Fundação Círculo de Leitores, o prémio, que é atribuído de dois em dois
anos, distingue uma obra literária no domínio da ficção, romance ou novela,
escrita em língua portuguesa, por um autor com idade não superior a 35 anos à
data da publicação do livro, e cuja primeira edição tenha saído em qualquer
país lusófono.
Na ata do júri, Ana Paula Tavares escreve que com Os
Transparentes "o escritor angolano cumpre o que há muito se anunciava: a
construção de um grande livro fiel a linhagens literárias mais antigas e que pode
ler-se na travessia das linguagens de cada um".
"A língua portuguesa
ganha o tom, liga todas as mensagens, renova-se sem concessões e aparece fresca
e milagrosa como as águas à solta do rés do chão do lugar central do
romance", acrescenta ainda Ana Paula Tavares, para quem este é um livro de
maturidade do autor. "O seu encanto pela infância continua presente, mas
já estamos no registo adulto do olhar crítico e mordaz que é lançado sobre o
tempo, a História e as respetivas legitimações políticas.
A ironia e o humor
continuam a caracterizar a escrita de Ondjaki, tornando a leitura de Os
Transparentes muito fluída e agradável, sobretudo quando o romance obriga o
leitor a se confrontar com uma crioulização mais radical e criativa da língua
portuguesa."
O júri do Prémio José Saramago foi, também nesta edição,
presidido pela diretora editorial do Círculo de Leitores, Guilhermina Gomes, e
composto ainda pela escritora e académica brasileira Nelida Piñon; pela poeta e
historiadora angolana Ana Paula Tavares; pela "presidenta" da
Fundação José Saramago, Pilar del Río, e pelo poeta e escritor Vasco Graça
Moura. Por escolha da presidente Guilhermina Gomes, integraram também o júri
Manuel Frias Martins, Maria de Santa Cruz e Nazaré Gomes dos Santos.
Vasco
Graça Moura foi surpreendido neste romance de Ondjaki, pela "maneira como
a sua utilização da língua portuguesa é, não só capaz de captar com maior
naturalidade as mais diversas situações num contexto social tão diferente do
nosso, mas comporta em si mesma fermentos de uma inovação que espelha com força
e realismo um quotidiano vivido na sua trepidação e também funciona eficazmente
ao restituí-lo no plano literário. É essa uma das vias possíveis da nossa
língua na sua variante angolana."
Para Maria de Santa Cruz, Os Transparentes
"é um romance experimental, de original e criativa estruturação que se
espelha, em mise en abîme, na narração, convocando os mais diversos tipos de
discurso".
Nas edições anteriores, o Prémio José Saramago foi
atribuído aos portugueses Paulo José Miranda, por Natureza Morta, em 1999, e
José Luís Peixoto, por Nenhum Olhar, em 2001. À brasileira Adriana Lisboa,
Sinfonia em Branco, em 2003, aos portugueses Gonçalo M. Tavares, Jerusalém,
2005, Valter Hugo Mãe, O Remorso de Baltazar Serapião, 2007, e João Tordo, As
Três Vidas, em 2009, e à brasileira Andréa del Fuego, Os Malaquias, em 2011.
Poeta, prosador, Ondjaki – que significa
"guerreiro" em umbundu – visita também a escrita para crianças, o
teatro, a pintura e o documentário. Formado em Sociologia, completou o
doutoramento em Estudos Africanos em Itália. Distinguido em 2000 com a Menção
Honrosa do Prémio António Jacinto pelo seu primeiro livro de poesia (actu
sanguíneu), em 2005 obtém o Prémio António Paulouro pelo livro de contos E Se
Amanhã o Medo, e o Grande Prémio APE em 2007 por Os da Minha Rua.
Em 2010,
recebe o Prémio Jabuti (categoria juvenil) com Avó Dezanove e o Segredo do
Soviético. Ainda no âmbito juvenil, publica A Bicicleta Que Tinha Bigodes
distinguido com o Prémio Bissaya Barreto 2012 e com o Prémio Fundação Nacional
do Livro Infantil e Juvenil (IBBY do Brasil) 2013.
por Isabel Coutinho,
in Público | 5 de novembro de 2013
(http://www.e-cultura.pt/DestaqueCulturalDisplay.aspx?ID=3313)
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